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Fala de deputados foi pretexto para cassação sob AI-5, sugerido por Eduardo

Maandel Ngan - 30.ago.19/AFP
Imagem: Maandel Ngan - 30.ago.19/AFP
do UOL

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

01/11/2019 13h16

Resumo da notícia

  • Eduardo sugeriu "novo AI-5" caso a esquerda "radicalize" no país
  • Sob o AI-5, declarações de deputados foram pretexto para cassações
  • Ato é considerado o início do período mais duro da ditadura militar

As falas de dois deputados federais foram utilizadas como pretexto para a cassação de seus mandatos no período em que vigorava o AI-5 (Ato Institucional nº 5), durante a ditadura militar. Ontem, em uma entrevista, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) defendeu um "novo AI-5" caso a esquerda "radicalize" no país.

Decretado em 1968, o AI-5 fechou o Congresso Nacional, cassou mandatos, suspendeu o direito a habeas corpus para crimes políticos e deu aval a outras medidas que suspenderam garantias constitucionais. O ato é considerado o início do período mais duro da ditadura.

Em setembro daquele ano, um pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves serviu de estopim para a edição do AI-5. Alves havia sugerido que o povo não participasse das comemorações do 7 de Setembro, dizendo que o boicote às Forças Armadas poderia "passar também às moças, às namoradas" dos militares.

O tom do discurso de Alves foi considerado radical pelo governo, que enviou à Câmara um pedido para que o deputado fosse licenciado. A Casa, no entanto, rejeitou o pedido em uma votação realizada no dia 12 de dezembro de 1968.

A resposta veio no dia seguinte, quando foi decretado o AI-5, além do recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado. Alves foi um dos 11 deputados que tiveram os mandatos cassados pelo ato. Ainda em dezembro, ele buscou exílio no Chile.

O ex-deputado federal Márcio Moreira Alves, pivô da decretação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5) em 13 de dezembro de 1968 - Divulgação - Divulgação
O deputado Márcio Moreira Alves, cujo discurso serviu de estopim para a decretação do AI-5
Imagem: Divulgação

Em janeiro de 1969, a lista de cassações aumentou e passou a atingir não só parlamentares, mas também ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Já em 1974, uma declaração do deputado Francisco Pinto contra a ditadura chilena de Augusto Pinochet foi considerada ofensiva pelas autoridades governamentais. Da tribuna, Pinto chamou Pinochet de "assassino", "mentiroso" e "fascista".

O general chileno fazia uma visita ao Brasil naquela época. "Para que não lhe pareça, contudo, que no Brasil todos estão silenciosos e felizes com sua presença, falo pelos que não podem falar, clamo e protesto por muitos que gostariam de reclamar e gritar nas ruas contra a sua presença em nosso país", disse Pinto.

O deputado foi denunciado ao STF e acusado de violar a lei de Segurança Nacional que vigorava à época. Ele foi julgado e, então, condenado a seis meses de prisão e à perda dos direitos políticos pelo mesmo período. Com isso, teve o mandato cassado.

O deputado Francisco Pinto, cassado após criticar o ditador chileno Pinochet no período da ditadura militar no Brasil - Reprodução/Câmara dos Deputados - Reprodução/Câmara dos Deputados
O deputado Francisco Pinto, que criticou o ditador chileno Pinochet e foi cassado
Imagem: Reprodução/Câmara dos Deputados

Carlos Fico, historiador e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) especializado no período da ditadura militar, destaca que houve cassações mesmo antes da instituição do AI-5. Ele pontua que todas as cassações que aconteceram no período foram motivadas por posições políticas, o que envolve também falas e declarações dos deputados.

O historiador lembra que, ainda em 1964, cerca de 40 deputados foram cassados por se identificarem mais com João Goulart, presidente deposto pelo golpe.

"É difícil fazer filtros, afinal de contas eles foram cassados por suas declarações, mesmo no caso da primeira leva [em 1964] —que eram, digamos, aqueles considerados os mais radicais pelos golpistas vitoriosos. Mas, é claro, foram [cassados] pelas declarações, pelas posições", diz.

Fico afirma, ainda, que a lei de Segurança Nacional que vigora hoje —e que pode ser utilizada para punir declarações como a de Eduardo Bolsonaro— é de 1988, quando o Brasil ainda estava sob regime militar.

"O Congresso Nacional deveria ter eliminado essa Lei de Segurança Nacional e substituído por outro tipo de lei de defesa nacional. Mas não deixa de ser também uma ironia que um defensor da ditadura, como o Eduardo Bolsonaro, possa ser punido por uma lei da própria ditadura", afirma.

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