Ao liberar visto, Brasil fortalece turismo, mas perde poder de barganha
Resumo da notícia
- Bolsonaro anunciou isenção de visto para chineses e indianos
- Mas brasileiros continuam precisando de visto para irem aos dois países
- Medida ajuda a favorecer a vinda de turistas ao Brasil
- Especialistas avaliam que quebra da reciprocidade é tema delicado para a diplomacia
A isenção de visto de forma unilateral para "países estratégicos" anunciada pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) tem estimulado o turismo internacional para o Brasil. Por outro lado, ao não exigir reciprocidade, a medida pode colocar o país em uma posição vulnerável do ponto de vista diplomático, avaliam especialistas em turismo e relações internacionais ouvidos pelo UOL.
Na semana passada, Bolsonaro anunciou a isenção de visto para viajantes chineses e indianos virem ao Brasil para turismo e negócio. A decisão, a exemplo do que já havia feito com Estados Unidos, Canadá Austrália e Japão no primeiro semestre, foi anunciada de maneira unilateral. Ou seja, brasileiros continuam a necessitar de visto para entrar nestes países.
Segundo o governo, a medida tem como objetivo aquecer o turismo, o que tem acontecido nos primeiros meses. Especialistas avaliam, no entanto, que quebra da reciprocidade é um tema delicado para a diplomacia e que, para consolidar este estímulo, é preciso melhorar a imagem externa e acabar com as polêmicas internacionais.
Diplomatas ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo relataram preocupação com a decisão do governo. Segundo eles, já houve casos, mesmo sendo de uma minoria, de pedidos de visto negados na Índia de pessoas com perfil suspeito de radicalização islâmica.
Os mesmos diplomatas ouvidos pelo jornal argumentam que China e Índia vivem situações diferentes dos demais países isentos recentemente de visto. Estes são países desenvolvidos, de renda alta e com baixos índices de imigração irregular.
Isenção é positiva para o turismo
Válida desde junho para quatro países, a isenção de vistos já tem demonstrado resultados positivos práticos. De acordo com o Ministério do Turismo, de junho a agosto, o número de turistas norte-americanos, canadenses e australianos cresceu 25% em relação ao mesmo período do ano passado. Dos países contemplados, só o Japão teve baixa de 16%.
"Para o turismo, qualquer barreira eliminada estimula o aumento de visitantes", afirma Jeanine Pires, ex-presidente da Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo). "Então, se você olhar só para o setor, é uma mudança benéfica."
"Vejo como uma tentativa válida de estimular o mercado", afirma Clayton Pegoraro, professor de Políticas Internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Se daqui a um tempo se verificar que não trouxe o resultado esperado, é só revogar."
Os números confirmam a expectativa do setor. De acordo com a OMT (Organização Mundial do Turismo), medidas de facilitação de visto tendem a aumentar entre 5% e 25% a entrada dos turistas beneficiados.
"A isenção é a maior [das medidas possíveis]. Por isso que, geralmente, ela se dá pela reciprocidade: se o seu turista entra sem visto aqui, o meu também vai entrar sem aí. Mas só de facilitar e baratear o processo, já estimula", afirma Pires.
Atualmente, a China é o país que mais movimenta turistas pelo mundo, com 141 milhões de pessoas por ano, mas o Brasil recebe apenas 60 mil deles, segundo o Ministério do Turismo.
Abrir mão da reciprocidade pode indicar vulnerabilidade
Apesar de ser uma medida benéfica para o turismo, trazer a isenção unilateralmente, sem cobrar reciprocidade dos outros países, pode colocar o Brasil em uma posição mais vulnerável na comunidade internacional.
"Este tipo de medida traz uma sinalização de que o Brasil está disposto a fazer cessões unilaterais. Só que, se o país começa a ceder muito, é um sinal de que ele não queira barganhar nem em negociações de comércio", afirma Vinicius Rodrigues Vieira, professor de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Segundo ele, esta abertura para diversos países indica que o Brasil está abrindo mão de parte de seu poder na comunidade internacional. "Pela lógica tradicional, é assim que um diplomata, um analista externo interpretaria. O Brasil está, de fato, abandonando posições históricas de reciprocidade", avalia.
Pires sugere que outras medidas de facilitação de visto poderiam ter sido tomadas no lugar da isenção total, como liberação de visto eletrônico ou um acordo bilateral que trouxesse benefícios, mesmo que em outra área. "Não precisa ser no turismo, pode ser no comércio, mas deveríamos ter alguma coisa em troca", argumenta a ex-presidente da Embratur.
"Não chega a ser uma abaixada de cabeça, pode indicar uma cordialidade por parte do Brasil, mas avalio que, para a diplomacia, poderia ser feito de outro modo", completa Pegoraro.
É preciso melhorar a imagem lá fora
Os especialistas também argumentam que, tanto para a diplomacia quanto para o turismo, a questão do visto se torna pequena se a imagem internacional do Brasil não estiver em alta. E, neste sentido, a repercussão de incidentes como queimadas na Amazônia e petróleo nas praias do Nordeste só pioram a situação.
"O que importa é imagem internacional e relações comerciais. Do Brasil, fica isso de que a Amazônia está pegando fogo, a praia está suja. O tema da segurança é complexo há bastante tempo. Como fica nossa imagem? São temas graves", avalia Pires.
Pegoraro concorda. Para ele, "de nada adianta" derrubar barreiras burocráticas se o destino final está comprometido. "O Nordeste, nossas praias são lugares que atraem. Como fica isso? Não tem mais visto, mas só se fala em desastre ecológico."
"No turismo, sustentabilidade e questão social são temas cada vez mais cruciais", informa Pires. "O turista tem respeito pela cultura local. Então, se nem o país está cuidando da própria natureza, como este turista vai para lá? A conversa do ano passado para cá [no mercado internacional] é como se o Brasil tivesse abandonado estes mercados."